No âmbito da mutatio libelli, o que é o aditamento espontâneo e o aditamento provocado? Qual dessas espécies encontra regramento no CPP?
6 de agosto de 2021E aí, galera, beleza?
O tema do dia vai ser mutatio libelli. Assunto fácil ou dificil… Fácil? Tem certeza? Difícil? Vamos descomplicar?
Vamos à luta!
Todos sabemos que, no curso da instrução processual, podem surgir novas provas de elementos ou circunstâncias que não estavam contidos na denúncia ou na queixa.
Essas novas provas podem conduzir a uma condenação que atribui nova definição jurídica ao fato, mediante o acréscimo das circunstâncias não contidas na exordial, impactando diretamente no pleno exercício do direito de defesa do réu.
É nesse contexto que surge a mutatio libelli, instituto que privilegia, a um só tempo, o princípio da congruência da sentença e o princípio do contraditório, determinando que haja o aditamento da inicial acusatória mediante aplicação do procedimento contido no art. 384 do CPP.
“Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
§1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.
§2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
§3º Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo.
§4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.
§5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.”
Pois bem.
O conceito e o âmbito de aplicação da mutatio libelli não provocam maiores dificuldades. Mas, em relação ao aditamento espontâneo e provocado, o que dizer?
Para uma boa explicação, é preciso relembrar como era a mutatio libelli antes da reforma processual instituída pela Lei 11.719/08.
A redação anterior do parágrafo único do art. 384 estabelecia o seguinte: “Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de três dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas”.
O trecho sublinhado acima destaca o que a doutrina chama de aditamento provocado.
Trata-se de hipótese em que o próprio juiz provoca o Ministério Público para acrescentar algo à peça acusatória.
Essa situação configurava verdadeiro exercício, por parte do juiz, de uma função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade, instando o órgão ministerial a aditar a inicial.
Como se pode notar, tal expediente angariou inúmeras e abalizadas críticas doutrinárias à luz do sistema acusatório adotado pela nossa Constituição.
Por outro lado, sem embargo da antiga redação do art. 384, parágrafo único, que previa que o juiz deveria baixar o processo a fim de que o MP aditasse a exordial, a reforma processual de 2008 passou a prever que o aditamento da mutatio deve ser espontâneo.
Ou seja, não é mais o juiz quem deve ter a iniciativa do aditamento, mas sim o próprio Ministério Público, sendo o órgão responsável pela observância do aditamento da inicial acusatória, em nítido privilégio à imparcialidade do magistrado.
Resumindo, a diferença é a seguinte.
No aditamento provocado, a iniciativa do aditamento é do próprio juízo, que determina a baixa do processo para que o MP possa promovê-la, nos termos da antiga redação do parágrafo único do art. 384 do CPP.
Já no aditamento espontâneo, é o próprio MP quem deve velar pela observância da mutatio libelli, recaindo sobre ele a iniciativa de aditar a denúncia, como se observa na atual redação do art. 384: “(…) o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa (…)”.
Ocorre que, ao contrário do que se possa imaginar, a Lei 11.719/08 não revogou inteiramente o aditamento provocado!
Consoante Renato Brasileiro (Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020), o que houve foi uma revogação parcial do aditamento provocado na mutatio libelli. Vejamos:
“Dissemos que a reforma processual de 2008 pôs fim parcial ao aditamento provocado na mutatio libelli, porque, a nosso juízo, ainda subsiste essa modalidade de aditamento.
Isso porque, segundo o art. 384, § 1º, do CPP, ‘não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código’. Como se vê, apesar de o juiz não poder baixar o processo a fim de que o Promotor de Justiça adite a peça acusatória, como estava previsto no revogado parágrafo único do art. 384 do CPP, ainda incumbe ao magistrado o exercício da função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade, podendo encaminhar os autos à Chefia do Ministério Público caso o órgão do Ministério Público de 1ª instância não proceda ao aditamento.”
Cumpre lembrar que o Pacote Anticrime alterou a sistemática contida no art. 28 do CPP, mas tal alteração teve sua eficácia suspensa em razão de medida cautelar deferida pelo STF no âmbito das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.
E aí? Saberiam responder essa, meus amigos?
Só pra reforçar: esse assunto já foi cobrado em certame de Promotor de Justiça.
Sigamos firme nos estudos!
Grande abraço.
Como o assunto foi cobrado
1. (FUJB – 2012 – MPE-RJ – Promotor de Justiça) No que se refere ao poder-dever do Ministério Público de promover e fiscalizar a ação penal e à sua atuação anterior a essa fase, é correto afirmar que:
Assertiva: com a reforma processual penal pontual recentemente introduzida no Código, inexiste qualquer tipo de aditamento provocado previsto em artigo do CPP.
GABARITO
- Falsa, em virtude do resquício de aditamento provocado contido no art. 384, §1º, do CPP.